Vale sombrio do luto
Uma das questões
cruciais que enfrentamos ao longo das nossas vidas são as perdas, que resultam
em pesares, dores e tristezas. Sabemos que a palavra luto está
atrelada às diversas perdas que podemos
ter, entre elas, a mais difícil, a morte
de alguém que amamos. O
luto envolve vínculo com o que foi perdido.
Tratar de questões acerca do luto é um dos temas mais
difíceis de serem abordados, ainda mais neste tempo no qual milhares de vidas
são ceifadas decorrente da pandemia resultante pelo Covid-19. Famílias choram a
perda dos seus entes queridos, vivenciando uma dura realidade jamais pensada.
Não tiveram tempo de se despedir dos seus queridos, ou até mesmo um funeral
não foi possível de ser realizado. Outros, entretanto, em alguns países, lamentam a falta de dignidade
referente aos cuidados e atendimentos.
Vivenciamos um
luto coletivo quando nos sentimos sensibilizados com a dor do outro, mesmo que
esse outro, nosso próximo, esteja tão longe de nós. Percebemos ações que nos
levam a interceder por várias famílias
enlutadas, que sofrem por perdas diversas.
Entre algumas
perdas, estar em casa neste momento, configura-se como tal para alguns de nós. Privamo-nos de muitas
atividades cotidianas, vivenciamos diversas e diferentes perdas, entre elas, a
liberdade do ir e vir. Torna-se
necessário reinventarmo-nos para
mantermos a nossa saúde física, emocional e espiritual. Considerada terapêutica,
a escuta é uma das práticas essenciais
neste momento. O nosso encontro com
Cristo, que fala connosco, o encontro connosco mesmo, e a escuta do
outro.
Escuta com Cristo
O Salmo 86:1
lembra-nos a petição: “Dá ouvidos, Senhor, à minha oração, e atende à voz das
minhas súplicas. O versículo 7 afirma que Deus responde às nossas petições: “No dia do
perigo clamo a ti, porque tu me respondes.” Nesse mesmo sentido, encontramos a
palavra do salmista no Salmo 120:1 “ Na minha angústia, clamei ao Senhor, e ele me ouviu.”
Escuta interior
Este tempo de distancimento social
certamente ajuda a escutarmo-nos a nós mesmos e a revermos tantas questões que desejamos
mudar; o silêncio interior contribui positivamente nesse sentido. Encontrarmos
desejos de mudanças talvez outrora já perdidos.
O Evangelho de Mateus ensina-nos: “ Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.”
(cf Mateus 13:9)
Escuta do outro
Ouvir com atenção requer
sensibilidade e percepção do que a outra pessoa está a falar.
Nos dias atuais, percebemos a
necessidade que as pessoas têm de serem ouvidas. As mudanças atuais geraram um
avanço positivo no nosso cotidiano, pois usufruimos mais da tecnologia, que
felizmente se tornou uma prática positiva para o nosso exercício de ouvir as
pessoas. Enquanto aguardamos os nossos encontros presenciais, reaprendemos a
ouvir. A escuta do outro tornou-se uma prática reaprendida. A Bíblia ensina-nos que devemos estar prontos para ouvir (cf. Tiago 1:19).
Escutar é uma aprendizagem, um
desejo. Esse querer é refletido nas palavras da Pastora Blanches de Paula:
Quero escutar as alegrias
escondidas, as tristezas expostas, a esperança de outrora.
Quero escutar o esquecimento da vida,
a lembrança do afago, a perseverança da lida.
Quero escutar a sensiblidade de
alguém, a dureza do medo, o ombro em que posso reclinar minhas dores.
Quero escutar as despedidas
impetuosas, a chegada do amigo, a alegria do encontro.
Quero escutar os passos do caminho,
a solidão da estrada, alguém que está ao lado.
Quero escutar o silêncio que sufoca,
as palavras nos gestos, a acolhida da
minha história.
Quero escutar a voz divina , provoca
dor..., liberta dor...
Quero escutar a mim mesma, me
reconhecer, me escolher.
Quero escutar você, sua
história, seus medos, suas coragens.
Quero escutar o diálogo, abrir a
minha porta e cear com a Vida.
No vale sombrio do luto conhecemos
novas maneiras de viver. Se há dor no luto, também há o consolo. Mesmo no meio de tristezas e incertezas, temos a esperança e a certeza que a morte foi
vencida, pois Cristo a morte venceu (cf. I Coríntios 15.54).
Assim como o salmista, afirmamos:
“Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, não temeria mal algum,
porque tu estás comigo...’.
Entre lutas e lutos, sabemos que
Deus connosco está, ventura sem igual ...
Pastora Patrícia Marques